“Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a terra, deveis embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas embriagai-vos.
E se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso quarto, acordais, já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio, vos responderão: “São horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.”  - Charles Baudelaire (1864)
Desde tempos primórdios, a alteração do estado mental é vista como uma forte incitadora da criatividade. Justamente por ser um meio para sairmos do nosso próprio eixo e assim  percorrer caminhos não recorrentes do nosso próprio pensamento. Mas, “ó dia seguinte”! O terrível dia seguinte é algo que pouca gente costuma analisar. Conhecida como ressaca ou re-sacar, refluxo é o movimento das ondas que recuam sobre si mesmas provocando uma agitação, inconstância e desequilíbrio no mar. No humano o conceito é o mesmo, quando uma substância, emoção ou estímulo recua intensamente sobre nós mesmos, o caos começa. Dores nos olhos e sensibilidade à luz, enjoo, sensação de secura e uma dor infinda de cabeça trazem uma sensação de morte corporal, como se todos os nossos órgãos estivessem frouxos, fatigados e os nervos distendidos. Mas este estado de espírito (ou de falta do mesmo) não é mau do todo. Para pessoas filosóficas, inquietas, aquelas que a sucessão de ideias na sua cabeça está em constante movimento, este estado de degeneração pode ser um descanso. Pois é o único momento em que estas pessoas se vêem forçadas a pensar em algo diferente ao cotidiano, ou melhor, é quando pensam menos e se deixam levar, dado que estão a sentir por um lado um incômodo que ocupa maior parte da sua capacidade de raciocínio.  Mas é nesse estado que por primeira vez os pensamentos fluem como a água, como o mar depois de um forte refluxo, deixando no areal uma quantidade de ideias, de coisas que alguma vez a água engoliu mas que estava à espera da correnteza diminuir para mostrá-las novamente à luz do dia. 
“Ressaca” viaja ao longo de uma narrativa a preto e branco, entre reflexos, altas luzes exageradas e de sombras acentuadas, para fazer alusão a este sentimento de morte física do indivíduo, em um mundo íntimo e peculiar dos pensamentos de um humano de ressaca, que aproveita deste martírio para trazer ao mundo as suas idéias e que de alguma forma tira proveito da beleza implícita na dor e na sensibilidade sentida durante sua imobilidade parcial, para assim observar detalhes não antes vistos. 
Como suporte, a sequência de imagens é acompanhada do som do mar em fase de ressaca, com seus altos e baixos, como ferramenta para conduzir o espectador a uma navegação mais pessoal sobre as ondulações da obra


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